Apesar de o fenômeno já ser de conhecimento dos habitantes da floresta –indígenas e ribeirinhos – um estudo científico feito na Bacia Amazônica constata que as florestas da região foram moldadas pela ação humana ao longo de milhares de anos. Um processo muito antigo de manejo de espécies transformou boa parte da mata em gigantescos “pomares”, repletos de espécies domesticadas de árvores. Examinando as plantas em sítios arqueológicos, um grupo de biólogos e arqueólogos encontrou a predominância de plantas domesticadas pelas sociedades pré-colombianas em alguns desses lugares, apesar da gigantesca diversidade natural de vegetais da região.
“Detectamos que perto de sítios arqueológicos há uma maior concentração e diversidade de árvores usadas pelos índios”, conta a bióloga Carolina Levis, doutoranda no Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) e na Universidade de Wageningen, Holanda, e primeira autora de um artigo publicado na revista Science.
Levi e seus colaboradores examinaram correspondências entre dados arqueológicos e botânicos, de dois bancos de dados. Um deles é o do Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá, no Amazonas, compilado pelos arqueólogos Eduardo Tamanaha e André Junqueira, que tem dados de mais de 3 mil sítios arqueológicos. O outro é o criado pelo botânico Hans ter Steege, do Centro de Biodiversidade Naturalis, da Holanda, formando uma rede de pesquisadores, chamada ATDN (sigla inglesa de Rede de Diversidade de Árvores da Amazônia), que fizeram inventários botânicos em 1.170 parcelas de amostragem na Amazônia, listando mais de 4 mil espécies de árvores.
As diferenças na composição da floresta entre locais onde já houve povoamentos e áreas mais distantes são tão marcantes, que possibilita usar a composição da flora para localizar sítios arqueológicos.
A pesquisadora detectou 85 espécies usadas e domesticadas pelos índios, como o açaí-do-mato, a castanha-do-pará e a seringueira.Algumas dessas plantas manejadas pelos antigos habitantes da região acabariam levando a produtos que hoje são consumidos no mundo todo, como o cacau e a castanha-do-pará.
O holandês Hans Ter Steege já tinha mostrado que, apesar da imensa variedade de espécies, a Amazônia tem algumas árvores “campeãs”, conhecidas como hiperdominantes: são 227 espécies que, somadas, são muito mais comuns que a média das demais plantas, correspondendo a uns 50% de todas as árvores amazônicas.
“Esses grupos podem ter levado as plantas por grandes distâncias”, sugere Carolina. A correlação entre árvores hiperdominantes e indícios de populações humanas antigas é mais forte no sudoeste da Amazônia, como Rondônia, e também na região da foz do Amazonas, mas não se sabe se a distribuição dessas árvores foi alterada por muitas gerações de índios, ou se os povos se estabeleceram justamente onde havia recursos variados para eles. Carolina acredita na primeira hipótese. “Encontramos árvores com preferências ecológicas distintas vivendo nas mesmas parcelas de amostragem, algo improvável de acontecer naturalmente.”
Há uma grande preocupação em relação ao desmatamento onde essas plantas são mais abundantes. “As linhagens silvestres das plantas usadas pelos índios estão nessa região, e preservar essa diversidade genética também é importante para a segurança alimentar”, afirma Carolina.
Essas plantas domesticadas hiperdominantes são muito comuns na Amazônia: ao menos algumas delas estão presentes em 70% da região, enquanto as outras espécies hiperdominantes não domesticadas só aparecem em 47% da bacia, o que sugere que a ação humana é que as espalhou Amazônia afora, uma vez que estudos genéticos mostram que muitas dessas plantas domesticadas hoje florescem em lugares muito distantes de seu ambiente original, como o cacaueiro, nativo do noroeste amazônico, mas hoje mais comum no sul da região.
A concentração de espécies domesticadas aumenta nas proximidades de sítios arqueológicos e dos rios –ou seja, áreas que comprovadamente foram ocupadas por pessoas no passado ou que serviam e ainda servem como os principais caminhos de circulação dentro da mata. Para onde os antigos indígenas iam, as plantas iam junto, alterando a composição natural de espécies da floresta.
A pupunha é um dos casos de árvores amazônicas totalmente domesticadas, que sofreram grandes modificações graças à seleção promovida pelo homem e que hoje dependem da nossa espécie para se propagar. Enquanto os frutos “selvagens” da planta pesavam só 1 grama, diz Clement, hoje é possível encontrar os que alcançam 150 gramas, na tríplice fronteira entre Brasil, Colômbia e Peru. Já algumas espécies são classificadas como parcialmente domesticadas (como o cacaueiro) e incipientemente domesticadas (a castanheira). A diferença é, em grande parte, questão de grau: oprimeiro tipo já tem consideráveis diferenças de aparência e genética em relação aos seus parentes selvagens, embora ainda consiga se virar sozinho sem a ajuda humana, enquanto no segundo tipo essas mudanças são bem mais sutis, explica Carolina.
O arqueólogo Eduardo Góes Neves, da USP, que também assina a pesquisa, afirma que esse processo de “engenharia florestal” amazônica começou há pelo menos 6.000 anos, mas pode ter se intensificado de uns 2.500 anos para cá. É quando a região fica repleta de sítios com a chamada terra preta – solo fértil produzido pela ação humana, em parte pela queima de restos de vegetais.
Para o arqueólogo, o estudo confirma que, além de serem um patrimônio natural, as florestas da região também são um patrimônio cultural, por sua ligação estreita com a intervenção humana.
Referências:
http://revistapesquisa.fapesp.br/2017/03/17/um-imenso-pomar/
https://www.nexojornal.com.br/especial/2015/12/01/Cidades-da-Amazônia-a-floresta-que-nunca-foi-virgem
https://www.sciencedaily.com/releases/2017/03/170302143939.htm
http://science.sciencemag.org/content/355/6328/925
http://agencia.fapesp.br/populacoes_precolombianas_podem_ter_domesticado_a_amazonia/24870/
http://www1.folha.uol.com.br/ambiente/2017/03/1863192-civilizacoes-pre-colombianas-moldaram-vegetacao-da-amazonia.shtml
Apesar de o fenômeno já ser de conhecimento dos habitantes da floresta –indígenas e ribeirinhos – um estudo científico feito na Bacia Amazônica constata que as florestas da região foram moldadas pela ação humana ao longo de milhares de anos. Um processo muito antigo de manejo de espécies transformou boa parte da mata em gigantescos “pomares”, repletos de espécies domesticadas de árvores. Examinando as plantas em sítios arqueológicos, um grupo de biólogos e arqueólogos encontrou a predominância de plantas domesticadas pelas sociedades pré-colombianas em alguns desses lugares, apesar da gigantesca diversidade natural de vegetais da região.
“Detectamos que perto de sítios arqueológicos há uma maior concentração e diversidade de árvores usadas pelos índios”, conta a bióloga Carolina Levis, doutoranda no Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) e na Universidade de Wageningen, Holanda, e primeira autora de um artigo publicado na revista Science.
Levi e seus colaboradores examinaram correspondências entre dados arqueológicos e botânicos, de dois bancos de dados. Um deles é o do Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá, no Amazonas, compilado pelos arqueólogos Eduardo Tamanaha e André Junqueira, que tem dados de mais de 3 mil sítios arqueológicos. O outro é o criado pelo botânico Hans ter Steege, do Centro de Biodiversidade Naturalis, da Holanda, formando uma rede de pesquisadores, chamada ATDN (sigla inglesa de Rede de Diversidade de Árvores da Amazônia), que fizeram inventários botânicos em 1.170 parcelas de amostragem na Amazônia, listando mais de 4 mil espécies de árvores.
As diferenças na composição da floresta entre locais onde já houve povoamentos e áreas mais distantes são tão marcantes, que possibilita usar a composição da flora para localizar sítios arqueológicos.
A pesquisadora detectou 85 espécies usadas e domesticadas pelos índios, como o açaí-do-mato, a castanha-do-pará e a seringueira.Algumas dessas plantas manejadas pelos antigos habitantes da região acabariam levando a produtos que hoje são consumidos no mundo todo, como o cacau e a castanha-do-pará.
O holandês Hans Ter Steege já tinha mostrado que, apesar da imensa variedade de espécies, a Amazônia tem algumas árvores “campeãs”, conhecidas como hiperdominantes: são 227 espécies que, somadas, são muito mais comuns que a média das demais plantas, correspondendo a uns 50% de todas as árvores amazônicas.
“Esses grupos podem ter levado as plantas por grandes distâncias”, sugere Carolina. A correlação entre árvores hiperdominantes e indícios de populações humanas antigas é mais forte no sudoeste da Amazônia, como Rondônia, e também na região da foz do Amazonas, mas não se sabe se a distribuição dessas árvores foi alterada por muitas gerações de índios, ou se os povos se estabeleceram justamente onde havia recursos variados para eles. Carolina acredita na primeira hipótese. “Encontramos árvores com preferências ecológicas distintas vivendo nas mesmas parcelas de amostragem, algo improvável de acontecer naturalmente.”
Há uma grande preocupação em relação ao desmatamento onde essas plantas são mais abundantes. “As linhagens silvestres das plantas usadas pelos índios estão nessa região, e preservar essa diversidade genética também é importante para a segurança alimentar”, afirma Carolina.
Essas plantas domesticadas hiperdominantes são muito comuns na Amazônia: ao menos algumas delas estão presentes em 70% da região, enquanto as outras espécies hiperdominantes não domesticadas só aparecem em 47% da bacia, o que sugere que a ação humana é que as espalhou Amazônia afora, uma vez que estudos genéticos mostram que muitas dessas plantas domesticadas hoje florescem em lugares muito distantes de seu ambiente original, como o cacaueiro, nativo do noroeste amazônico, mas hoje mais comum no sul da região.
A concentração de espécies domesticadas aumenta nas proximidades de sítios arqueológicos e dos rios –ou seja, áreas que comprovadamente foram ocupadas por pessoas no passado ou que serviam e ainda servem como os principais caminhos de circulação dentro da mata. Para onde os antigos indígenas iam, as plantas iam junto, alterando a composição natural de espécies da floresta.
A pupunha é um dos casos de árvores amazônicas totalmente domesticadas, que sofreram grandes modificações graças à seleção promovida pelo homem e que hoje dependem da nossa espécie para se propagar. Enquanto os frutos “selvagens” da planta pesavam só 1 grama, diz Clement, hoje é possível encontrar os que alcançam 150 gramas, na tríplice fronteira entre Brasil, Colômbia e Peru. Já algumas espécies são classificadas como parcialmente domesticadas (como o cacaueiro) e incipientemente domesticadas (a castanheira). A diferença é, em grande parte, questão de grau: oprimeiro tipo já tem consideráveis diferenças de aparência e genética em relação aos seus parentes selvagens, embora ainda consiga se virar sozinho sem a ajuda humana, enquanto no segundo tipo essas mudanças são bem mais sutis, explica Carolina.
O arqueólogo Eduardo Góes Neves, da USP, que também assina a pesquisa, afirma que esse processo de “engenharia florestal” amazônica começou há pelo menos 6.000 anos, mas pode ter se intensificado de uns 2.500 anos para cá. É quando a região fica repleta de sítios com a chamada terra preta – solo fértil produzido pela ação humana, em parte pela queima de restos de vegetais.
Para o arqueólogo, o estudo confirma que, além de serem um patrimônio natural, as florestas da região também são um patrimônio cultural, por sua ligação estreita com a intervenção humana.
Referências:
http://revistapesquisa.fapesp.br/2017/03/17/um-imenso-pomar/
https://www.nexojornal.com.br/especial/2015/12/01/Cidades-da-Amazônia-a-floresta-que-nunca-foi-virgem
https://www.sciencedaily.com/releases/2017/03/170302143939.htm
http://science.sciencemag.org/content/355/6328/925
http://agencia.fapesp.br/populacoes_precolombianas_podem_ter_domesticado_a_amazonia/24870/
http://www1.folha.uol.com.br/ambiente/2017/03/1863192-civilizacoes-pre-colombianas-moldaram-vegetacao-da-amazonia.shtml